Via Bertrand |
Afinal, ali ainda há grandes e intransponíveis conflitos raciais, a segregação ainda existe, o Ku Klux Klan ainda vai dando ares da sua desgraça, os negros ainda estão confinados a um ciclo de pobreza por imposição dos brancos, e porém, muitos brancos vivem igualmente no limiar da pobreza.
Os Estados do Sul foram esquecidos pelos políticos, e não importa se lideres como Bill Clinton são daí oriundos. Nenhuma fundação, patrocinada pelos grandes multimilionários como Bill Gates, doa parte dos seus milhões para melhorar a vida dos seus compatriotas, grande parte com vidas realmente miseráveis. E portanto, fazem-no em África, como se no seu próprio país a pobreza não proliferasse.
Estado a Estado, o cenário é o mesmo; as grandes empresas mudaram-se para outros países, na busca de maior lucro, os trabalhadores ficam desempregados e o ciclo de pobreza cresce e mantém-se. A história de uma pequena Vila, cujo nome não retive, é ilustrativa; viviam razoavelmente, cada habitante nos seus negócios ou trabalhos, quando uma grande superfície se instalou na localidade. As pessoas começaram a fazer aí todas as suas compras, o pequeno comércio começou a falir, as pessoas foram ficando desempregadas, deixando de ter dinheiro para comprar no grande Supermercado que acabou por fechar portas também. Hoje, resta o edifício e a pobreza.
As pessoas não compreendem ainda que a riqueza gerada pelas grandes superfícies/ empresas/ multinacionais não fica nos locais que habitam, é levada para outras paragens por meia dúzia. Que os investidores, não sendo locais, não estão ali para proporcionar melhores condições às pessoas, estão ali para recolher lucros, para sugar o máximo. E sem peso na consciência abandonar o barco, quando o dinheiro deixa de entrar. Isto é tão óbvio e portanto, ninguém desperta! Todos deveríamos dar primazia ao comércio local, para contribuirmos efectivamente para a comunidade.
As cidades, vilas e aldeias fantasmas, sucedem-se, restam os despojos de locais que não há muito tiveram vida, permanecendo apenas uns poucos que não tiveram condições de procurar outras paragens. Portanto, o que se passa no Sul é ignorado pelo resto da nação; portam-se como se todos os americanos tivessem as condições de vida dos Nova-Yorkinos. Se um tornado mata 30 pessoas no Arkansas, nem sequer é noticiado no país, apenas no Estado. E para matar dezenas de pessoas, imagine-se o rasto de destruição, e prejuízos materiais que causou!
O Sul Profundo é um encontro sucessivo de histórias reais, de pessoas esquecidas, de uma parte do pais que sofreu com a escravatura, o racismo e exploração, e continua ainda preso a esse sofrido passado. Não apenas porque a memória não permite esquecer, mas porque o resto do país, governantes e políticos o votaram ao esquecimento. A escrita eficiente e por vezes poética, de Paul Theroux, repleta de referências a outras escritas ( nomeadamente às "Viagens na minha terra" de Almeida Garret), é precisa, extremamente humana e pungente. Aconselho vivamente.
Título: Sul Profundo
Autor: Paul Theroux
Pág. 536
Editora: Quetzal