segunda-feira, 13 de julho de 2020

Uma Oportunidade única

Como todo o resto na vida, a Quarentena também teve aspectos positivos. Eu vi-os, sim, duvido é que a maioria das pessoas tenha também reparado. E a minha dúvida consubstancia-se com os números astronómicos de calmantes e anti-depressivos que foram e são vendidos. 
Ora um dos grandes aspectos positivos, foi o tempo que as pessoas tiveram para si mesmas. Não havia forma de escapar, não havia trabalho (ou menos horas), não houve tempo perdido em transportes e viagens, não houve problemas alheios, criados no emprego, que roubam energia e foco, enfim, o exterior fechou-se, parcial e substancialmente, reduziu-se, nos obrigando a recolher-nos. 

Confinados em casa, víramo-nos para aqueles que também estão no seu interior, a família, e a própria casa. Por isso, tanta gente falou que fez limpezas e arrumações procrastinadas há anos, iniciou jardins e hortas em terrenos até aí mais ou menos esquecidos, cozinhou e fez pão frequentemente, e claro, quem tinha filhos, sobretudo de baixa idade, teve também, e talvez principalmente, que se virar para eles, apoiando, esclarecendo, guiando, na continuação do ano escolar. 
Tudo isto é aquilo que habitualmente faço, à parte a escola por ter filhos já autónomos, e portanto, para mim a rotina não foi novidade, e aliás, aprecio-a deveras. Continuei a ter tempo para mim, para as leituras, e mais intensamente para a minha educação espiritual, na qual estou cada vez mais focada. Por tudo isto, foi-me um tempo grato e proveitoso. Em contrapartida, por regra, aquilo que vi e ouvi foi exactamente o contrário, e lastimo que assim seja; que este tempo oferecido/imposto não tenha servido para quem, habitualmente, assoberbado pelo trabalho, afazeres de casa e família, não tenha encontrado um certo tempo para se descobrir, para reflectir sobre si e sua vida. 
Eu tenho bem claro que é dificílimo, senão praticamente impossível conciliar emprego e família, com desenvolvimento pessoal, e portanto viver, é disso que se trata. 

Engana-se quem pensa que viver é trabalhar, comer, dormir, pagar contas, casar, ter filhos, pagar mais contas e com sorte, adquirir casa e carro próprios, e ir de férias. Isto são actividades que na realidade nos distraem e afastam no nosso primeiro propósito, aqui. Todas essa actividades são viradas para a materialidade, e obviamente que quem se identifica apenas com este lado da existência, concentra-se neles, mas quem acredita que somos mais do que um corpo físico, tem tendência a procurar alcançar outros objectivos, e o primeiro caminho para o fazer, é o do auto-conhecimento. Creio que a maioria das pessoas ainda acredita que somos mais do que este corpo. Para isso, necessitamos de tempo disponível para nos virarmos para dentro, todavia, tudo na vida nos empurra para fora. E desligamo-nos. 
Pois esta quarentena, e agora o prolongamento para muitos ainda, proporcionou a oportunidade para tal. E contudo, as pessoas entraram em pânico; descobrira-se vazias, sem o emprego. Não se reconheceram sem aquilo que habitualmente fazem, como se aquilo fosse o que são, e não apenas um meio de proporcionar o pagamento de contas. Poderia dizer também realização profissional, mas não creio que a maioria das pessoas o sinta, infelizmente. 
Frequentemente, as pessoas confundem quem são, com aquilo que fazem e possuem, e quando isso lhes é retirado, o que fica? Nada. E ser nada é avassalador, fica-se sem chão. E porém, essa tontura vertiginosa, pode ser a oportunidade do renascimento, para abrir a janela para um mundo interior que tem existido negligenciado; ou então, mais fácil, escolher o adormecimento, os tais calmantes que provocam o torpor do corpo e mente. Até que tudo isto passe, como um pesadelo. 

Os números não mentem, revelam qual foi a escolha feita pela maioria. E se por um lado lastimo, por outro compreendo, todos temos o nosso tempo, nesta escola que é a vida, mas havemos todos de chegar lá.