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Há já alguns anos que fui lendo por aqui e por ali referências à "História de uma serva" de Margaret Atwood, mas sendo habitualmente céptica relativamente a livros de moda, nunca me interessou propriamente. Foi, portanto, um livro que sugeri ao Duarte no último Verão, por saber do gosto do meu filho pelas sociedades distópicas futuristas. Entretanto, fiquei com curiosidade e acabei por lê-lo.
Passa-se no futuro, na América, agora chamada Gileade, e a protagonista vai relatando os acontecimentos na primeira pessoa, com recursos constantes a flash-backs. Chama-se agora Defred, tinha sido casada e mãe de uma criança pequena, tinha feito estudos superiores e tinha emprego, quando uma reviravolta política se deu no país, de forma súbita e insidiosa. A oposição praticamente não existiu e as pessoas viram-se, do dia para a noite, constrangidas a uma série de leis e regras que subjugaram a individualidade e liberdade de cada um, de forma brutal. Defred é agora uma serva, ao serviço de um misterioso comandante e sua mulher. A sua vida está estritamente regida por horários e programas, a palavra é-lhe subtraída, como de resto a todas as mulheres. É um objecto da República com uma só utilidade: procriar.
Gostei bastante do livro, é uma leitura fluída que agarra o leitor jogando com o passado, que vai explicando como chegou uma sociedade livre ao ponto da subjugação total, sem oposição. É interessante na medida em que vemos como reflecte a nossa própria sociedade; as coisas vão mudando paulatinamente, as pessoas vão aceitando, ainda que resmunguem nas redes sociais, mas as mudanças continuam. Por exemplo, a corrupção em Portugal; sentiamo-nos muito mais indignados há alguns anos atrás, e os políticos demitiam-se, mas os casos de corrupção começaram a ser revelados a um ritmo cada vez maior, actualmente quase diário, sem que vejamos um contra-poder a este crime, de forma que hoje já ninguém espera condenações nem Justiça. Fazemos piadas com as situações, e aceitamos. Portanto, da parte dos infractores, também já não faz sentido que se envergonhem e se demitam.
Outro aspecto que confirma aquilo que já há algum tempo penso, é a forte vontade de viver do ser humano, seja em que circunstâncias for. O desejo de preservação da espécie deve certamente explicar uma coisa destas, pois que racionalmente não faz sentido algum. Qual o interesse de viver num mundo privado de tudo aquilo que é mais elementar e básico, para o nosso bem-estar? Quando nos tiram aqueles que amamos? E portanto, o homem persiste e é ainda capaz das maiores canalhices para permanecer vivo. É por conseguinte, um livro que proporciona um paralelismo e reflexão muito pertinentes, sobretudo, relativamente ao momento em que vivemos.
Parece que brevemente teremos possibilidade de ver a série, mas começar pela leitura é sempre o ideal.
Título: A história de uma serva
Autora: Margaret Atwood
Editora: Bertrand
Pág. 348