segunda-feira, 11 de março de 2019

Criar filhos com asas ou com raizes?

Com a malfada crise de 2008, e o primeiro-ministro a proferir aquela infeliz frase aos desempregados: "emigrem!", sedimentou-se no colectivo parental a velha máxima "os filhos não são nossos". Desde logo, jovens formados partiram aos milhares, e as imagens das despedidas no aeroporto, de jovens que nunca tinham viajado para o estrangeiro sequer, deixando pais chorosos e preocupados, tornaram-se diárias. Era um destino que se desenhava para todos, como se não houvesse alternativa. 
Comecei a ouvir pais de filhos pequenos a dizerem desde logo, que era isto que os esperava. E à medida que chegavam notícias de como essa fornada de jovens preparados eram recebidos no exterior, de como não apenas tinham trabalho nas suas áreas mas como eram respeitados e bem pagos, a possibilidade passou a inevitabilidade.

Constitui-se uma segunda vaga, a dos empregados que não resistiram às benesses que lá fora lhes ofereciam. Médicos, engenheiros, trocaram os vencimentos nacionais pelo triplo ou quadruplo, e claro que compreendendo como o dinheiro é bom, se pode entendê-los, nunca me convenceu totalmente a paga por coisas que abdicavam como deixar a família, os amigos, o país que é seguro e estável, a cultura que apesar de tudo reconhece a igualdade de géneros, enfim, um regime democrático por alguns que não o são de todo. Há coisas que nenhum dinheiro paga. E portanto, em conversa com um casal conhecido, ambos quadros superiores, bem na vida, com várias propriedades, e pais de filho único, surpreendeu-me que me contassem orgulhosamente o plano do filho, para trabalhar no estrangeiro. Disseram-me: "Ele não quer ficar cá; quer ganhar muito dinheiro!". Imagino que deixei transparecer uma certa pena no meu rosto, por os saber sós, porque imediatamente se apressaram a justificar, "é assim a vida, os filhos não são nossos, nós criamo-los para o mundo!". Está bem, está, respondo-lhes eu; mas aqui não é mundo? Estaremos em Marte? Riram-se. O pior é que vão solteiros, casam por lá e nunca mais voltam; e os pais ficam sozinhos, o que a mim me causaria muita pena e saudade. Enfim, depende daquilo que priorizamos na vida, acrescentei eu condescendendo.  
Eles viraram para um lado da rua, certamente a pensar "coitada da Fernanda", eu virei para o outro, ainda em choque, até esta situação de todo se apagar. Até há dias.

Já tinha visto um vídeo da brasileira, médica e especialista em cuidados paliativos, Ana Cláudia Arantes*, que me impressionou imenso. Era uma espécie de apresentação da forma como ela vê a morte, que é algo superior e invulgar, portanto li com toda a atenção a entrevista que deu à revista Activa deste mês. E perante um certa questão ela respondeu: "... Muita gente cria os filhos para a liberdade, não para o amor presente. E isso não é mau, mas na hora de morrer tem os filhos longe". 
E isto, embora se foque no derradeiro momento da vida, explica muita coisa.


* A propósito do seu livro " A morte é um dia que vale a pena viver"