segunda-feira, 18 de março de 2019

Quebradiços

Hoje quero escrever sobre a fugacidade e vulnerabilidade da vida. Dizer que esta vida são dois dias, que para morrer basta estar vivo são clichés gastos e no entanto tão populares, por serem essencialmente genuínos, que rematam qualquer conversa desta temática. E eu começo, portanto, pelo fim.

Se tivéssemos consciência da fragilidade da vida, muita coisa mudaria; não deixaríamos que coisas insignificantes nos transtornassem tanto, não nos zangaríamos por miudezas e faríamos o que temos de fazer com mais ética, mais correcção. Daríamos prioridade às coisas realmente importantes; aproveitaríamos mais os momentos bons, e usufriríamos muito mais dos que amamos. 
Não digo que devêssemos sentir a Espada de Dâmocles sobre a nossa cabeça o tempo todo, isso roubaria a paz necessária para desfrutar fosse do que fosse. Falo em consciência, aquele saber intrínseco que nos faz estar na vida, lembrando sem esforço. E por vezes, a vida encarrega-se de nos acordar, em forma de lembrete, dado que só em consciência não vamos lá.

A Catarina Fonseca escreveu, na última crónica, que já percebeu que o maior perigo da vida é passar por ela, meio-adormecida; mas é assim que vivemos a vida. Adormecidos para aquilo que de facto importa, embalados pelos afazeres e obrigações, focados no momento seguinte.
Quando o meu primogénito nasceu, tive um momento de profunda lucidez, enquanto o observava a dormir tranquilamente no berço; perante aquele sentimento de profundo amor que ignorava existir, pensei: desfruta de cada momento Fernanda, porque não sabes quanto tempo tens com ele. Não foi algo que me tolheu, mas antes pelo contrário, deu-me a claridade necessária para pautar o meu comportamento enquanto mãe. Isso moldou-me imenso, até enquanto pessoa. E talvez por isso, perante situações em que outros arrancam cabelos, eu me mantenho relativamente tranquila. De que vale investir energia no que não se pode mudar?

Uma pessoa pode sair de manhã, e já não voltar mais. Já não se senta a jantar com a família; nunca mais pergunta como correu o dia aos filhos. Já não desdobra o pijama naquela noite, nem apanha a roupa seca demais como um bacalhau. Já não chega tarde para o almoço de domingo, quando o molho do assado já sumiu. Mas o dia está bonito, de Primavera, nem sequer chove. Os vizinhos aspiram a casa e estendem roupa no varal. As horas passam, a dor que causa primeiro a estupefacção, começa a envenenar o corpo, até doer fisicamente. Porque no fim de contas, nós somos frágeis, e estamos ligados em cadeia, por afectos que nos fortalecem mas são efémeros, e por isso também nos quebram. Temos que ir buscar à vida tudo aquilo que importa e nos fortifica, que no fim de contas, se resume ao amor. O tempo investido nos afectos permanece, leva-o quem parte, resguarda-o amorosamente quem fica.