Quando eu era miúda, era habitual, juntar-me com as minhas irmãs e outras crianças da vizinhança e irmos cantar os Reis a alguns vizinhos. Recebíamos chocolates e algumas moedas, mas penso que o fazíamos sobretudo pela actividade propriamente dita. Sair à noite e fazer algo que ditava a tradição. Os nossos cânticos eram simples, e não tínhamos sequer alguém a tocar instrumentos, enquanto outros grupos que apareciam em casa dos meus pais, nos dedicavam quadras personalizadas, e um ou outro faziam-se acompanhar por viola ou cavaquinho. Era emocionante ouvi-los cantar à nossa porta; desligava-se a televisão de imediato, e ouvíamos atentamente o que diziam as letras. Por vezes, riamo-nos de alguma voz mais esganiçada. Os meus pais comentavam o afinamento e davam-nos o dinheiro, que eu e as minhas irmãs lhes entregávamos, à vez. Tudo entre nós era feito à vez.
Parece um tempo próximo e porém, tão distante. São memórias tão vivas e no entanto já não passam disso, recordações, por deixarem de se realizarem.
Os meus filhos ainda ouviram algumas vezes o Cantar dos Réis à nossa porta, mas eram pequenos, já nem sequer se recordam. Eu conto-lhes as minhas histórias e das minhas memórias, faça-os suas. E é tudo o que têm e lhes ficará.
Este fim-de-semana assisti a umas Reizadas, e um dos grupos empunhava um cartaz, apelando para que não deixássemos cair a tradição do cantar dos Reis. Resistem alguns grupos de pessoas mais velhas, e os Escuteiros que promovem valores antigos, na realização deste tipo de evento.
A plateia era escassa para a comunidade que somos, os jovens não apenas não têm interesse algum em cantar como nem sequer têm interesse em ouvir. Aliás, mesmo a faixa etária relativa a pais e avós estava muito em falta. Outrora seria uma noite familiar, um pretexto para pais e filhos saírem de casa, num programa de Inverno. Mas enfim, mudam os tempos, mudam as vontades, como dizia o poeta, e muitas coisas se perdem. Se pelo menos outras surgissem, assim ricas em convívio e confraternização, assentes em actos culturais que fizessem história...
Talvez a nostalgia me esteja a toldar o pensamento, mas receio bem que estejamos a fazer trocas que se revelarão maus negócios.