segunda-feira, 21 de abril de 2008

Um princípio e um fim


Ultrapassou as intempéries de Inverno e apresentou-se vigorosa à Primavera. Quando as primeiras folhas brotaram, quebrando o castanho do seu tremendo esqueleto, constatamos num alívio tácito que a vida permanecia ali. Porém, as tempestades súbitas primaveris fustigaram-na incessantemente com chuva e vento e ela cedeu. As folhas murcharam, e nós, esperançosos, pensamos que talvez fosse a geada que as queimara. Mas não, alguém nos disse que as raízes estavam doentes e que seria apenas uma questão de tempo. A nossa figueira morreu.

Eu via-a como uma imensa gaiola, daquelas especiais, que convidam a entrar e permitem sair, pois nela não existia porta. Tudo era liberdade. Pouso de excelência para pássaros viajantes, procurando uma sombra ou um abrigo da chuva; pardais, melros, rolas, e andorinhas – ainda mal tinham chegado – saltitavam de ramo em ramo, perseguindo-se enamorados, chilreando num coro alegre e insuportável para algum citadino a dormir cá em casa. O verde frondoso da sua folhagem era a mais fantástica das cortinas, oferecendo-nos privacidade e uma decoração natural e viva. Sim, ela era um ser vivo, deu-nos belos e suculentos frutos durante a sua existência e deixou descendência; há cerca de 2 anos começaram a nascer figueiras pelo jardim, que nós fomos arrancando e dando a amigos e vizinhos. Sem saber que ela preparava já a partida. Ficou uma filha, num canto esquecida, até há pouco. Por isso, que ninguém estranhe quando eu contar que a morte da figueira, única árvore do jardim, que já existia nele antes de nós, nossa companheira e companhia nos abalou até ao âmago. O meu marido sentiu-se em luto e o meu filho agarrou-se a mim a chorar.
-Tudo tem um princípio e um fim, filhote. Murmurei-lhe ao ouvido.

Tenha uma óptima semana!