segunda-feira, 31 de maio de 2021

O ninho vazio

 

Via
 

Estes dias encontrei uma amiga de infância que se admirou, profundamente, por eu ter "já" os meus dois filhos a estudar fora de casa; na verdade, os filhos da minha geração já foram há mais tempo, já os há licenciados, mestres, a trabalhar e até pais, e por ter sido mãe tardiamente (aos 34 e 35 anos)é que ainda os tenho a iniciar os estudos universitários, mas creio que o que a chocou mais a ela foi a projecção que fez em mim; eu estou sem os meus dois, ela estará sem o dela, filho único, no próximo Setembro. Como me sinto eu, indagava-se, custa muito sentir o ninho vazio?! 

Nem por isso. Choque total, não é? Não se espera de todo, sobretudo quando se trata de uma mãe a tempo inteiro, mas aí é que paradoxalmente reside a explicação - eu passei todo o tempo do mundo com os meus filhos; eu fiz-lhes todas as vontades e satisfiz-lhes todos os apetites quando me pediam e solicitavam. Não há arrependimentos, estive lá para eles, como continuo agora, sempre que necessário. 

Portanto que os filhos saiam de casa para estudar, é uma etapa esperada, comum a tantos outros, sinal de maturidade e que a vida decorre normalmente, rumo à independência. O que há para choramingar? A saudade? Sim, há alguma, mas quando se fala com os filhos diariamente, e eles vêm a casa todos os fins-de-semana,é colmatada.

Mas eu entendo esta coisa do ninho vazio e até me lembro muito de uma história que me contaram há 20 e tal anos atrás; a cliente de uma tia partilhou com ela o arrependimento que lhe sobreviera quando a filha saiu de casa, para a Faculdade noutra cidade, e ela se sentira posta de lado, depois de ter deixado de trabalhar para ser mãe a tempo inteiro. E como moral da história ela afirmava: não aconselho nenhuma mulher a fazê-lo, os filhos são ingratos! Tudo isto me foi contado como alerta, mas evidentemente que não me impressionou porque fiz a minha escolha convicta do que fazia, achando que cada caso é um caso e que aquele não me representaria. Felizmente, assim foi.  

Devo também acrescentar que apesar de viver a maternidade intensa e integralmente, não foi por abdicar de trabalho que me anulei enquanto pessoa, pelo contrário, a minha situação deu-me oportunidade de crescer, amadurecer e evoluir para aquilo que enquanto ser humano pretendia ser. E estou deveras agradecida por isso. Por conseguinte, a casa pode estar mais vazia mas a minha cabeça não está, gosto da minha companhia, do tempo a sós, e nunca me aborreço. E depois, os meus filhos não são absolutamente nada ingratos, gostam de voar para o ninho, sentem-se bem aqui, e concluo que fizemos algo de valor, como diz aquele sábio ditado: demos-lhes asas para voar mas também raízes.  

quarta-feira, 26 de maio de 2021

Despertar

(Este post foi escrito a 7 de Janeiro de 2019, e esquecido nos rascunhos, mas mais do que nunca faz todo o sentido agora)
 
Por vezes, a realidade parece-me um sonho; vejo-me numa espécie de zoo, com grades e ambiente artificial recriando o natural.
Sinto que as fronteiras que me rodeiam não estão assim tão distantes como julgamos, e que os objectos por aqui colocados não passam de adereços a imitar os reais, para nos defraudarem realisticamente. E o cenário, de tão bem arquitectado e montado, distrai-nos tão completamente, que acreditamos viver em liberdade, em amplas extensões sem fim, enquanto afinal vivemos uma vida confinados, numa jaula mal arejada. 
Tenho porém a impressão, de que nesses momentos, olhando a vida que me parece um sonho, é quando mais acordada estou.  

terça-feira, 18 de maio de 2021

"Tenho 398 dias e estou a ver pela primeira vez rostos sorridentes em público"

 

Via FB
Eu sei de casos em que isto está a acorrer, mas em versão piorada; de uma neta de 2 anos que há mais de um ano não vê nunca os rostos dos avós, nem em público nem em casa. De outro menino, três anos, que vive no 1º andar da casa onde os avós residem no rés-do-chão; aqui a avó sai ao jardim e fala com ele sem máscara, mas o neto chora porque quer estar com ela; quer o toque; entre lágrimas vai dizendo: eu quero a minha avozinha, quero colinho, quero beijinhos da minha avozinha. Esta, não fica indiferente à dor do neto, ela também a sente, e chora também, é a reacção a que se permite.

Isto é de fazer chorar as pedras da calçada, mas os adultos não desbloqueiam. Resistem! Pela vida, julgam eles, resistem ao amor, porque o medo é mais forte, o que não deveria ser. Sem amor não somos nada! 

Estamos a contribuir para a destruição e trauma de gerações que deveríamos proteger e amar. Isto terá um preço muito alto. 

segunda-feira, 10 de maio de 2021

As crianças indicam o caminho

  

 

Cecília Varela, ilustradora

Diz-se por aí "as crianças estão cada vez mais espertas", ou "as crianças parece que já nascem ensinadas", e uns e outros ilustram estas frases com exemplos de conversas tidas com filhos ou netos. E por vezes, as tiradas são mesmo de impressionar e emudecer a resposta. Poderíamos dizer que sim, claro, actualmente as crianças convivem com pessoas mais instruídas, frequentam as creches e infantários desde cedo, dispõem de aparelhos que estimulam a inteligência, e é tudo verdade, certamente que tudo isso contribui, mas é também certo, pois já foi confirmado por estudos científicos, que os cérebros estão a mudar, as crianças estão a nascer realmente mais inteligentes. É portanto, um fenómeno físico, material e concreto. 

E contudo, os professores queixam-se sistematicamente que cada vez é mais difícil dar aulas, que os meninos são cada vez mais irrequietos, mais desinteressados, mais indiferentes. Já sabemos também que existe um fosso histórico entre os três elementos: a escola do séc.XIX, os professores do séc XX, os alunos do séc XXI, respectivamente. E creio que raros hesitarão em anuir que esta equação desarmoniosa estará na base do insucesso. 

Não podemos pedir às crianças e jovens que voltem um século atrás, por muito que fosse cómodo aos professores; o tempo segue para a frente, e deverão ser eles a mover-se. Continuar a fazer as coisas como sempre fizeram, com a justificação de que no passado funcionava, portanto os meninos que "se ponham finos e façam o que lhes compete", é um argumento preguiçoso e ineficaz. Porque a água já passou debaixo da ponte e não volta a montante.

As pessoas não apreciam a mudança, já sabemos que psicologicamente fazer o habitual é-nos agradável, sair do conhecido é sair da zona de conforto, e por isso se rejeita, mas tem que ser. A vida está em mudança. E se em muitas profissões isso já acontecia há muito tempo, na docência urge que se faça essa mudança também. São os professores que têm de mudar, sem esperar mudança de programas ou indicação da Tutela.  

Eu sei que questionar a forma como um professor está na sala de aula pode ser um desafio gigante, mas também não significa que se vire do avesso; há coisas que devem deixar de fazer, e fazer outras de forma diferente. Que a sala de aula seja um espaço experimental não deveria ser novidade para eles; que observem e testem o que funciona e não funciona. Há coisas que são mesmo muito significativas, e podem até ser quase anedóticas mas que causam um impacto enorme, como por exemplo, a cor com que corrigem os testes; conheço um menino do primeiro ano que chorou desconsoladamente porque a professora lhe riscou os erros a vermelho, e entre soluços dizia " e eu agora não posso corrigir!". Porque haveria de ser esta reacção desconsiderada? Inconscientemente, os professores reagem como se fossem críticas à sua pessoa, e até dizem " estas crianças são umas mimalhas, e os culpados são os papás", mas não, são apenas expressões de sentimentos que deveriam ser tidos em conta se, de facto, os professores querem chegar até ao aluno. Porque, como muito bem sabemos, aprende-se com mais sucesso pela via da emoção. 

As crianças que têm nascido nos últimos anos são diferentes, até parece que já sabem o que querem, e o mundo como funciona não lhes serve. Por isso reagem, rejeitam. E não é com medicamentos, dopando as crianças, que se resolve isto, é mudando a sociedade. Pode ser chocante para muitos mas acredito mesmo que é isso, e convenhamos, é um desafio e tanto, mas vai valer muito a pena!