segunda-feira, 10 de maio de 2021

As crianças indicam o caminho

  

 

Cecília Varela, ilustradora

Diz-se por aí "as crianças estão cada vez mais espertas", ou "as crianças parece que já nascem ensinadas", e uns e outros ilustram estas frases com exemplos de conversas tidas com filhos ou netos. E por vezes, as tiradas são mesmo de impressionar e emudecer a resposta. Poderíamos dizer que sim, claro, actualmente as crianças convivem com pessoas mais instruídas, frequentam as creches e infantários desde cedo, dispõem de aparelhos que estimulam a inteligência, e é tudo verdade, certamente que tudo isso contribui, mas é também certo, pois já foi confirmado por estudos científicos, que os cérebros estão a mudar, as crianças estão a nascer realmente mais inteligentes. É portanto, um fenómeno físico, material e concreto. 

E contudo, os professores queixam-se sistematicamente que cada vez é mais difícil dar aulas, que os meninos são cada vez mais irrequietos, mais desinteressados, mais indiferentes. Já sabemos também que existe um fosso histórico entre os três elementos: a escola do séc.XIX, os professores do séc XX, os alunos do séc XXI, respectivamente. E creio que raros hesitarão em anuir que esta equação desarmoniosa estará na base do insucesso. 

Não podemos pedir às crianças e jovens que voltem um século atrás, por muito que fosse cómodo aos professores; o tempo segue para a frente, e deverão ser eles a mover-se. Continuar a fazer as coisas como sempre fizeram, com a justificação de que no passado funcionava, portanto os meninos que "se ponham finos e façam o que lhes compete", é um argumento preguiçoso e ineficaz. Porque a água já passou debaixo da ponte e não volta a montante.

As pessoas não apreciam a mudança, já sabemos que psicologicamente fazer o habitual é-nos agradável, sair do conhecido é sair da zona de conforto, e por isso se rejeita, mas tem que ser. A vida está em mudança. E se em muitas profissões isso já acontecia há muito tempo, na docência urge que se faça essa mudança também. São os professores que têm de mudar, sem esperar mudança de programas ou indicação da Tutela.  

Eu sei que questionar a forma como um professor está na sala de aula pode ser um desafio gigante, mas também não significa que se vire do avesso; há coisas que devem deixar de fazer, e fazer outras de forma diferente. Que a sala de aula seja um espaço experimental não deveria ser novidade para eles; que observem e testem o que funciona e não funciona. Há coisas que são mesmo muito significativas, e podem até ser quase anedóticas mas que causam um impacto enorme, como por exemplo, a cor com que corrigem os testes; conheço um menino do primeiro ano que chorou desconsoladamente porque a professora lhe riscou os erros a vermelho, e entre soluços dizia " e eu agora não posso corrigir!". Porque haveria de ser esta reacção desconsiderada? Inconscientemente, os professores reagem como se fossem críticas à sua pessoa, e até dizem " estas crianças são umas mimalhas, e os culpados são os papás", mas não, são apenas expressões de sentimentos que deveriam ser tidos em conta se, de facto, os professores querem chegar até ao aluno. Porque, como muito bem sabemos, aprende-se com mais sucesso pela via da emoção. 

As crianças que têm nascido nos últimos anos são diferentes, até parece que já sabem o que querem, e o mundo como funciona não lhes serve. Por isso reagem, rejeitam. E não é com medicamentos, dopando as crianças, que se resolve isto, é mudando a sociedade. Pode ser chocante para muitos mas acredito mesmo que é isso, e convenhamos, é um desafio e tanto, mas vai valer muito a pena!