Esta é uma daquelas histórias que a minha mãe contou ao longo dos anos, algumas vezes, desta vez apanhei-a mais atentamente, e deixou-me reflexiva.
Há muitos anos, a vizinha dela foi ao velório de um parente afastado; naquele tempo os defuntos ainda se velavam em casa; era hora de almoço, e a família comia na cozinha; ela entrou silenciosamente, para não os perturbar e pôs-se num canto sombrio da sala, a orar pelo senhor. Entretanto, entra a esposa do falecido, e julgando estar sozinha com ele, ajoelha-se a seu lado, e começa a conversar com ele, em voz baixa, agradecendo-lhe pela vida que lhe proporcionara, que fora muito bom marido, bom pai, e bom homem, que tudo o que tinha feito na sua existência era bom, e digno. E muitas outras coisas bonitas, que a vizinha da minha mãe nunca tinha ouvido na vida, e ouvia siderada, permanecendo em silêncio até ao fim.
A esposa deste senhor nunca soube que aquela conversa tinha sido testemunhada, a parente nunca lho confessou. Mas contou à minha mãe, sempre maravilhada, com aquela homenagem tão sincera e excepcional.
E aquilo que me ocorre pensar é que se não for para deixar um marca destas na família que constituímos nem valia a pena começar a empreitada. Mais vale viver para si, que também é direito de cada um.