Na semana passada dediquei-me às artes manuais; comprei uma cadeira em faia, para a escrivaninha da Letícia. Lixei-a, limpei-a, pintei-a com uma pátina branca e envernizei-a. Levei o assento ao estofador que a forrou com um resto de tecido do edredão. Enquanto trabalhava na cadeira ia pensando…
Quando há cerca de 14 anos fomos à Alemanha, pela 1ª vez, eu e o meu marido ficamos perplexos com a casa que os nossos amigos tinham construído. Sim, eles próprios, ele engenheiro mecânico, ela secretária. Com ajuda da família e amigos eles tinham construído a própria casa, rés-do-chão, 1º andar e um estúdio no sótão, durante fins-de-semana e férias. E mais surpreendente: lá isso é muito comum, porque a mão-de-obra é extremamente cara.
Quando pela 1ª vez o meu marido decidiu pintar a nossa casa comprou as tintas aqui numa loja perto e em simultâneo pediu algumas dicas à senhora que o atendeu; era óbvio que ele não entendia muito da arte e então ela, espontaneamente, sugeriu, apontando um homem debruçado ao balcão, um pintor. O meu marido agradeceu mas afirmou que ele mesmo pintaria, ao que o dito pintor concluiu, um pouco despeitado:
- Agora até os doutores* pintam!
Em Portugal os engenheiros formam-se a pensar que vão trabalhar em escritórios e que apenas os subalternos vão sujar as mãos. Pessoas com formação superior não pegam em trinchas, não por uma questão económica, apenas por status. Pois, eu penso que é uma pena; todo o tipo de trabalho honesto é dignificante, todo é necessário a todos e ninguém é mais do que o outro, só porque não suja as mãos.
Mas como é raro ver mãos encardidas, calejadas pelo trabalho! Vi recentemente e fiquei parada a apreciar as mãos daquele homem, ainda jovem, e admirei-o. Intimamente desejei-lhe uma vida boa, que nada lhe faltasse, nem aos seus.
No final, admirando a cadeira senti-me satisfeita e orgulhosa pela transformação, bem sucedida, se dever ao meu trabalho.
Tenha uma óptima semana!
Nota: doutores* por extenso somente para melhor expressar a oralidade, o correcto seria Dr. .