segunda-feira, 28 de junho de 2010

Dica de leitura: "Leite derramado"

Por vezes os títulos dos livros são como janelas entreabertas, mesmo antes de lermos já conseguimos imaginar a trama. Ainda que posteriormente imaginação e escrita não confiram. Há outros que são como portas de madeira, não deixando entrever absolutamente nada. Para mim, “Leite derramado” foi assim; no entanto, é somente uma ilusão óptica. Foi como se olhasse somente a parte da porta, ao nível dos meus olhos, e esquecesse a parte superior, onde há uma pequena janela. Se eu tivesse olhado e considerado a pequena janela, teria lido “Chorar sobre leite derramado”. E então a minha imaginação teria fluído. Mas foi melhor assim.
Nunca um título foi tão ajustado.

Este livro deixou-me imensamente triste. Ainda bem que o li! Não, não sou masoquista nem nada que o valha, acontece que é um daqueles casos em que a leitura nos perturba, emociona, entristece, aviva memórias, enfim, nos humaniza.

A história de sete gerações, para trás e para a frente, pela voz do centenário Eulálio Assumpção; até ao último minuto, apaixonado pela mulher.

Li há dias uma teoria sobre doenças; tem Alzheimer quem quer esquecer. Assim, Eulálio nunca poderia ter essa doença, e não teve, ele alimentava-se das suas memórias, uma mente frequentemente lúcida, num corpo em permanente falência.

Como escreveu Pilar del Rio, jornalista e viúva de José Saramago: “ A grande literatura está aí para cravar-se em nós como um punhal na barriga, não para nos adormecer como se estivéssemos num opiário e o mundo fosse pura fantasia”.

Recomendo esta leitura vivamente.

“Leite derramado”, Chico Buarque
Editora D.Quixote
223 páginas

Tenha uma óptima semana!