Toda esta polémica em volta da Miley Cyrus ter-me-ia passado totalmente ao lado, não fosse a minha filha. Quer dizer, é-me absolutamente indiferente que ela ou outra cantora qualquer façam vídeos controversos, ou dancem de forma excessivamente sexy, roçando o mau gosto, quando não são cantoras de quem eu gosto.
Acontece que Miley Cyrus era a Annah Montana, uma menina Disney muito conhecida e admirada pela minha filha, e muitas meninas da idade dela. Para além da televisão, ela entrou cá em casa em forma de capas escolares, esferográficas e outras coisas do tipo. Isso quer dizer alguma coisa. No mínimo que a minha filha gostava dela, no máximo que queria ser como ela. Não creio que tenha chegado a tanto, mas certamente muitas meninas sonharam com isso. Há, portanto, aqui um peso de influência que poderemos questionar, enquanto pais e educadores, se nos interessa ou não, desmontar.
Desapareceu a Annah Montana, mas ficou Miley Cyrus e as meninas que gostavam da primeira, seguiram o percurso da segunda. Sucede que à inocente Annah Montana, sobrepôs-se a "sabida" Miley Cyrus, colocando-se nas antípodas da sua predecessora. A minha filha não cresceu assim tanto, felizmente. E por isso, não entendeu esta mudança brutal no visual e comportamento da cantora. A confusão, entre personagem e pessoa real acontece frequentemente, quando um papel se cola ao actor durante muito tempo e sobretudo quando se dirige a um público ainda em formação, como infanto-juvenil.
A incompreensão deve ser global, mas eu não lhe prestei atenção. Até a Letícia ter desabafado, incrédula:
- A Miley Cyrus ficou maluca! Anda a lamber martelos, e a dançar quase nua em cima de uma bola, no vídeo dela!
Perguntei-lhe se ela imaginava porque a cantora se comportava assim, e a conversa alargou-se a questões que se prendem com o trabalho infantil nas artes, o consumo, o sexo e a fama. Parece cedo demais? Eu também pensava.
Acredito que a fusão entre Annah Montana e Miley Cyrus foi propositada, para dar consistência e promoção à personagem; assim como acredito que esta transformação última, foi deliberada para colocar um basta à imagem construída pela menina Disney. Se a ideia foi dela, ou de alguém da sua entourage, não se sabe ao certo, e também não me parece muito importante. Quem cresceu sendo uma figura famosa, fica cativa de terceiros, seja de que forma for.
A imagem sexy vende, sendo um caminho fácil para quem pretende alcançar o sucesso a qualquer custo. Contudo, uma cantora segura dos seus dotes vocais não permite que a explorem ou a exponham da forma que Miley Cyrus se tem exposto. Mas também, nem sequer tenho a certeza se é possível ser suficientemente autoconfiante, a ponto de saber o que se quer, quando se viveu uma infância como figura pública, rodeada de profissinais que visam o lucro.
Lembrei-me de Sinead O'Connor, uma cantora de quem gosto muito, e que num gesto de revolta, quando sentiu a pressão para apresentar uma imagem mais sexy, rapou o cabelo.
Recordei-me, e contei-lhe, a resposta de Adele, quando a pressionaram para perder peso: " Eu não faço música para os olhos, faço música para os ouvidos".
O que estas cantoras têm em comum? O talento. Vozes poderosas que não necessitam mais do que isso. E vozes interiores que as instigam a percorrer um caminho, talvez mais difícil mas também mais digno e leal ao dom que possuem.
Nada a fazer, quando as pessoas são atiradas para as feras, ainda pequeninas, e lhes sonegam a infância. Acho que é aí, que lhes roubam a oportunidade de aprenderem a ouvir a sua voz interior. E elas ficam, assim, pequeninas e perdidas, senão para sempre, durante muito, muito tempo.
Para ilustrar a conversa, a Letícia quis ouvir uma música da Sinead O'Connor. Escolhi uma das minhas favoritas de sempre. Há coisas que ficam porque marcam, independentes de modas e polémicas, outras que apenas vão ficando. E é isto que eu quero que a minha filha compreenda, há pessoas que podem inspirar-nos e outras que, claramente, não. Temos apenas de saber identificá-las.
É muito cedo, para tal? Realmente não me parece.