quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Desconstruindo a pose de pais

A sinceridade que devemos aos filhos é um ponto que eu tenho focado, de tempos a tempos, aqui no blogue; estou perfeitamente convencida de que só desse modo conseguimos ter crédito junto deles. Precisamente por nunca ter mentido aos meus, e pelo contrário, lhes ter dito sempre a verdade, fosse a respeito de que assunto fosse, granjeei um crédito que vejo, frequentemente, ser "invejado" por outros pais. E porque eu pratiquei o que advogo posso, de facto, confirmar que funciona. E vale a pena, ainda que frequentemente essa sinceridade seja desafiante, mas apenas na forma da apresentação, não no conteúdo. 

Dependendo das idades dos filhos, dependendo das questões que nos coloquem (se tem maturidade para perguntar tem para ouvir a resposta), dependendo do momento, podemos dizer-lhes praticamente tudo. Temos, porém, de dosear o peso da informação que lhes passamos, para não os contagiarmos demasiado com a nossa percepção pessoal, como inquietação, medo, incompreensão, frustração, um pouco como um verdadeiro jornalista, que passa a informação, para o outro processar sem contaminar com opinião pessoal. Claro que sendo nossos filhos, queremos também guiá-los para a análise correspondente aos nossos valores e crenças, mas creio que deva ser isso mesmo, guiar, não impor. 

Com esta "história do covid" são tantas as questões e inquietações, seja de ordem prática, como escola e trabalho, seja de saúde, como receio do vírus, que a questão da sinceridade torna-se ainda mais pertinente. Em tempos de incerteza, em que cada dia há novidades, algo que muda, que se pode ou não fazer, a mente humana fica mais alerta, em estado de vigia, e esse estado comporta ansiedade e apreensão, pelo que a nossa disposição acaba também por ser afectada. E em quem, normalmente, descontamos? Nos filhos. Estes por sua vez, também estão sob esta influência, por isso os psicólogos dizem que nunca tiveram tanto trabalho. Neste ponto, pais e filhos encontram-se debaixo do mesmo fogo, por assim dizer, e por isso creio que será ainda mais oportuno e necessário que os pais conversem com os filhos, expondo as suas duvidas e fragilidades; não é momento de ser sobre-humano, mas antes de mostrar facetas verdadeiras e reais, proporcionando aos filhos um espaço seguro para serem vulneráveis. Os pais poderão não ter todas as respostas, ninguém tem, mas só pelo facto de se autorizaram a ser eles, neste momento crítico, estão a dar aos filhos um exemplo de verdade, de reconhecimento. É necessário abdicar do papel fantasioso que temos por definição, enquanto pais e educadores.

Outrora, quando em muitas casas faltava o pão, faltava também afecto, nas poucas onde faltou o alimento mas havia amor, as pessoas ultrapassaram melhor as dificuldades; essas pessoas saíram fortalecidas e gratas. Este é o momento da "falta" , mas também a prova do amor familiar.