terça-feira, 5 de maio de 2020

Dar as mãos

Vem aí um tempo que vai desafiar a nossa capacidade de solidariedade e empatia. Não pensei que fosse tão rápido mas, realmente, a maioria das pessoas vive do seu vencimento, e quando falha um mês, as coisas começam imediatamente a faltar. Fica mal quem depende de outrém, e não fica melhor quem trabalha por contra própria, que tem duas contas para pagar; as ajudas vêm aí, dizem, mas até vir, já sabemos como isto funciona, antes cortam a água, a electricidade; as perguntas e reposições fazem-se à posteriori. E o caos instala-se. 
Contaram-me que uma trabalhadora por conta própria pediu de empréstimo a uma cliente 150€, e esta, que possui apenas uma relação profissional com a primeira, entre o choque do pedido inesperado e receio de ficar sem a quantia, recusou. Eu sugeriu-lhe que emprestasse, mas como um pagamento avançado; não pagaria mais à primeira enquanto possuísse crédito naquela pequena empresa. Pelas suas previsões, em meio ano teria sido ressarcida. Deste modo, o seu dinheiro não seria apenas emprestado, mas descontado, e por isso não correria o risco de o perder.

Temos que ser inventivos, como é o caso do Cabaz Solidário, e imaginar formas de ajudar as pessoas, sem nos prejudicarmos. Não vamos ser tolos, também temos obrigação e direito de nos protegermos. Mas, de facto, considero que quem pode tem responsabilidade de auxiliar quem precisa, e entre pedir ajuda e ajudar, é um privilégio ajudar. 

Estes dias, ouvi uma palestra em que o orador disse algo bastante interessante, sobre ajudar o outro; segundo ele, quando emprestamos dinheiro a alguém, essa pessoa passa a ver-nos com desconforto. Porque somos a prova do seu fracasso. Aliás, há um provérbio que diz" queres perder um amigo, empresta-lhe dinheiro"; obviamente, o desconforto de ficar a dever não apenas o dinheiro, mas um favor a outrem é compreensível. Sobretudo, quando quem empresta for capaz de jogar com esse favor, fazendo alusões, cobranças mais ou menos subtis, mantendo o primeiro no papel de eterno refém. Mas também, uma pessoa que se coloca nesta posição é a pior dos agiotas, cobra os juros mais altos que há no mercado, sendo uma pessoa digna de pena. 
De qualquer forma, uma coisa que o orador não mencionou foi como se sente aquele que não ajudou, quando se encontra com esse amigo ou conhecido; eu sentir-me-ia igualmente mal. -Não ajudei esta pessoa, seria o refrão sempre que o encontrasse. Não é algo que nos faça sentir muito bem, pois não? Portanto, antes de pensar em perder um amigo, penso que devemos considerar se essa ajuda nos é possível de realizar, e calcular também o nível de risco. Se possível, garantir o retorno, se não for em espécie, noutra forma qualquer. Sejamos criativos.
  
Li recentemente a seguinte frase: "Ajudar a levantar sim, ajudar a carregar não"; isto significa dar a mão a quem precisa quando podemos, sem sermos arrastados indefinidamente. Na crise de 2008 conheci algumas pessoas que aprenderam a lição, e nesta estão tranquilos porque estão "calçados", ainda assim, muitos não aprenderam, e outros não tiveram oportunidade de se prepararem, porque convenhamos, quem vive com o ordenado mínimo faz uma ginástica tremenda só para viver dignamente, mês a mês, sem ficar com dívidas. Então quando têm filhos... ou são génios das finanças ou fazem magia! 

Portanto, vamos todos ser testados, e que saia daqui o melhor de nós.