terça-feira, 23 de junho de 2020

Heróis, egoístas e sofredores

Desde o fim-de-semana que a morte de um actor conhecido tem causado um certo "furor" nas redes sociais. Eu conhecia-o mal, nunca o vi em telenovelas, nem peças de teatro, mas era aquela figura que aparecia por todo o lado, e portanto do seu rosto retenho o sorriso sempre aberto. Parece que tinha uma família linda, 5 filhos maravilhosos, uma companheira por quem era loucamente apaixonado, uma carreira sólida e reconhecida, colegas de trabalho que o estimavam, e amigos verdadeiras em abundância. Também, projectos importantes para concretizar brevemente, casamento após um relacionamento de 20 anos, construção de casa, e etc.
E porém, isso não foi suficiente. E é isto que espanta as pessoas. A mim não.  Eu sei que do nosso equilíbrio dependem coisas que vão muito para além da família, dinheiro, fama e profissão.

Por ser uma figura pública, a notícia alastrou-se para públicos que nem sequer o conheciam, como a geração da minha filha; a Letícia comentou comigo, espantada, que no twitter estavam a dizer que ele tinha sido egoísta ao escolher a morte. Mas que ela não achava, pensava que para alguém fazer uma coisa destas, deveria estar a sofrer imenso. Talvez não fosse o momento certo, mas realmente senti orgulho da maturidade e empatia da minha filha. Certamente que o amor pelos filhos, e por todos que o amavam, se manteve intacto. Essa é uma estação diferente da que toca a dor, e implicar ambas é injusto para todos.

Confesso que ao longo da vida mudei de opinião a respeito do suicídio; em adolescente, pensei que fosse preciso coragem para dar o passo, em adulta acreditei que fosse um acto totalmente egoísta, e agora creio que são pessoas que estão num sofrimento tão insuportável que não conseguem ver outra saída. 

Não há nada, exterior à pessoa que a isente das doenças do foro psicológico; podemos ter tudo! E ainda assim, cair em depressão, e daí resvalar para pensamentos suicidas para pôr um fim à dor, que injustificadamente existe. E nem sequer interessa justificar, apenas existe. 
Há pessoas que são, aparentemente, equilibradas, bem-dispostas, felizes, e de repente surpreendem-nos com com um estouro, como este. Tenho um pouco de desconfiança, quando estou perante estes comportamentos aparentemente perfeitos. É preferível que as pessoas emitam sinais, mas nem todos o fazem, navegam em águas profundas, e à superficie a calmaria engana. 

Para além de ser uma personalidade conhecida apreciada, e de quem não se esperaria este desenlace, fica-nos este lembrete: pode acontecer a qualquer um. Vigiemos-nos, para procurar ajuda, quando dela necessitarmos para sair do fundo do poço. Estejamos ao pé dele, para dar a mão a quem o tenta subir. Posto isto, a culpa, não é de ninguém, e nestas ocasiões mais do que compreender, criticar ou justificar, o mais adequado seria fazer uma oração, por quem parte dilacerado, e por quem fica, de coração partido.