segunda-feira, 16 de janeiro de 2023

A vida secreta dos gatos

 

A Becas, quando chegou.

A Kitkat passou o Verão de 2022 praticamente fora de casa. Saia de manhã ou noite e voltava de manhã ou noite, passadas 24 horas, para comer, sempre com imensa pressa, e não se demorava a voltar a sair. No final do Verão veio com uma novidade, começou a entrar pela porta da rua;  dali miava até que alguém ouvia e ia lá abrir. Ou se por acaso, não estivesse ninguém naquela parte da casa que a ouvisse, alguém que passava na rua tocava à campainha, e dizia " É daí? Estava aqui a miar", mas já ela se tinha esgueirado para o interior mostrando que sim, obviamente, era daí! Algumas vezes foi o vizinho que andando no passeio para esticar as pernas, ou enquanto fumava um cigarro, tocava à campanha por ela; uma das vezes, contou-nos, estava ele à porta de casa, e a KitKat foi lá chamá-lo; ele foi atrás dela e tocou. 

Enfim, este novo hábito gerou inicialmente estranheza e hilaridade, mas a mim estava a enervar-me, não bastava já ter que abrir a porta ao carteiro, aos que entregam encomendas, aos meus filhos e marido que se esquecem constantemente da chave, agora também era porteira da gata! Quando ela toda a vida entrou e saiu pelo jardim, dirigindo-se às taças da comida e água sem precisar de miar com o desespero de quem desfalece por inanição.  

Da última vez, depois de lhe despejar a comida na taça, subitamente ocorreu-me o pensamento de quando seria a ultima vez que a veria. Enquanto ela comia, baixei-me e fiz-lhe umas festihas nas costas. 

Posteriormente, vim a saber que o Duarte também teve um pensamento semelhante, por essa altura. Acontece que foi mesmo a última vez que regressou a casa. 

Voltemos agora atrás. No início do Verão trouxemos para casa a Becas, resgatada da rua, com a intenção de lhe encontrarmos uma família que a adoptasse. Podia ser filha da kitkat, de tão semelhantes que eram! Mais de uma vez, assim de repente, chegamos a confundi-las. O mais curioso, ambas tinham um problema no olho esquerdo, embora o da Becas seja muito mais visível. A Kitkat, que instinto maternal nunca mostrou, nunca aceitou a Becas, tal como antes não aceitou a Ellie nem o Niko. 

Já antes tínhamos encontrado diversas famílias para diversos gatos resgatados mas para a Becas não acontecia, apesar de uma ou outra pessoa se mostrarem interessadas. Foi ficando. Já tínhamos 3 gatos, que nunca escolhi ter (apareceram todos cá em casa), 4 era mesmo de mais. Mas ela ficou. Entretanto a Kitkat foi. Parece que veio para a substituir, não consigo deixar de pensar na coincidência de tudo. Até porque nem sequer acredito em coincidências. 


A Becas está sempre a tentar brincar com os outros. 

Há cerca de 3 semanas, estava a ler no meu quarto e ouço distintamente " toc, toc, toc!", por segundos paralisei assustada. É que eu tinha a certeza de que estava sozinha em casa! Hesitei um pouco mas acabei por me levantar de rompante e abrir a porta resoluta; já o Niko se afastava, em direcção às escadas. Lembrei-me que ele já tinha feito o mesmo antes, no quarto da Letícia. Talvez devido à sombra da luz, ele voltou-se para trás e miou-me, pedia comida. Apesar de ser surdo é o melhor comunicador dos 3 felinos. 

Parece-me que os animais estão a evoluir. Mas é tão óbvio que sim. Eu já os achava muito misteriosos, agora começo a convencer-me que aquele filme "a vida secreta dos animais" talvez não seja apenas ficção, mas antes uma perspectiva que só agora começo a desvendar.