quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

O Último Moleiro

 Morreu o Moleiro. Eu conhecia-o de vista, mas em menina cheguei a ir ao seu moinho com uma vizinha, que cozia pão. Achava tudo aquilo fascinante, via-se a água a passar por baixo do pequeno edifício decrépito, a mó gigantesca a girar, o grão a ser esmagado, e a farinha a cair num saco, do outro lado. 

Teve em toda a sua vida uma só profissão, a sua infância terminou cedo, herdando de menino o trabalho dos pais. Viveu sempre na mesma casa, que também herdou dos pais, junto ao Ribeiro, e moinho. Não casou, nem teve filhos. 

O Moleiro tinha 62 anos. Andava sempre coberto com uma camada fina de pó branco. Tinha bigode, e um sorriso algo dissimulado, como de alguém que sabe um segredo que mais ninguém conhece. Via-o porque o som inusitado do trote do burro anunciava a sua passagem a certa distância, numa vila onde o transporte comum tem motor. 

Dizem que era um dos últimos moleiros da região, no activo. Lamentam-se, dizem que foi precoce, e tudo isso é pena; suponho que se referem ao óbito e ao desaparecimento de uma profissão antiga. Eu também lamento, gostava da imagem do Moleiro a passar, era algo que me alegrava imenso; como um postal vivo, dava, por momentos, um ar pitoresco à nossa localidade.