terça-feira, 23 de janeiro de 2024

Mudam-se os tempos mudam-se as vontades.

Via

Quando eu era criança sentia-me demasiado envergonhada para andar a Cantar os Reis em grupo, mas costumava juntar-me com algumas crianças da vizinhança e íamos apenas cantar os Reis a casa de um casal amoroso, que não tinha filhos, e nos dava sempre muita importância. Nos últimos anos acontecia que mal pedíamos licença para cantar, eles rapidamente abriam a porta e nos convidavam a entrar, nos oferecendo guloseimas e algum dinheiro. Pelo que após isto já nem nos dávamos ao trabalho de ensaiar. Simplesmente íamos à confiança. Enfim. 

Mas entretanto, em minha casa não faltavam pequenos grupos de miúdos, crianças e adolescentes, que surgiam a cantar os Reis, de forma muito personalizada, dedicando no final uma quadra a cada um de nós, que ouvíamos deliciados, entre risinhos de entusiasmo; quando abríamos a porta, para lhes dar dinheiro, a nossa maior curiosidade era saber quem seriam aqueles cantores que nos conheciam pelo nome, e na maior parte das vezes nós não sabíamos os deles, o que ainda nos admirava mais. 

Havia noites em que surgiam diversos grupos, para cantar os Reis; estávamos tranquilamente a ver televisão, e lá de fora ouvia-se, por vezes um sonoro, ou por outras, um tímido: "Olaré, cantaremos?", e imediatamente tirávamos o som da tv e nos púnhamos em sentido para ouvir os cantares. 

Não me recordo de chover nessas noites, talvez nessas eles não fossem, ou fossem mais raramente, mas lembro-me do frio, e da neblina nocturna. O clima minhoto invernosos não era impeditivo para esses grupos que corriam a freguesia, por vezes bem longe de casa. E era uma tradição muito bonita. 

Entretanto, deixaram de aparecer. A miudagem já não tem necessidade de ganhar uns trocos, todas as suas necessidades estão colmatadas pelos pais, desde a roupa de marca, ou não, aos telemóveis, e dinheiro de bolso. Não consigo deixar de lamentar o desaparecimento dessa tradição. E muito menos aprovar que se troque esta, tão nossa, pela outra, a do Halloween, em que já começam a tocar às portas, e pedir doces, como se fosse habitual; quer dizer, os pais também lhes dão doces, mas esta tradição importada é amplamente difundida pelos media, e pelo comércio em geral, pelo que "pedinchar" de acordo com uma moda que até aparece nos filmes já não embaraça, pelo contrário, até é giro. 

Eu sei, o mundo está em permanência mudança, mas se pelo menos fosse para melhor...