Já por diversas vezes li e ouvi que a nossa sociedade esconde a morte das crianças. Que lhes sonegamos a experiência da perda, não permitindo que se preparem para enfrentar a morte de alguém próximo, quando isso acontece.
Na verdade, parece-me que no geral as pessoas querem distanciar-se da morte. Naturalmente pretendemos um afastamento desse confronto que nos causa sofrimento e desgosto. E por isso as pessoas morrem nos hospitais. Já antes, ainda num processo que já sabemos final, afastamos os idosos de nós, levando-os para os Lares.
Longe do nosso olhar, afastados dos que amam, e das suas casa, das suas coisas. Dizemos que é melhor assim, que estão onde há assistência e profissionais capazes. Onde são cuidados e protegidos.
Porque a vida atarefada das famílias actuais não tem a capacidade de cuidar dos seus idosos. E todos compreendemos isso, no entanto, estamos de facto a afastar de nós a experiência da morte. Os nossos filhos não acompanham o ciclo da vida até ao fim.
E dessa forma a morte se torna num tabu.
Como falar com um filho sobre a morte, se nós mesmos queremos este tema banido da nossa vida? Não é fácil. Da primeira vez que os meus filhos me perguntaram se eu ia morrer algum dia, comecei por lhes responder a sério, dizendo que todos morremos, e eles entraram imediatamente em pânico. Fiz marcha atrás ao discurso e disse-lhes peremptoriamente que não! Prometi-lhes nada menos do que minha imortalidade; se a tranquilidade deles necessitava dessa confirmação, dei-a sem remorsos.
Conforme cresceram foram entendendo que um dia também eu morrerei. Três dos avós já não se encontram entre nós, eles nem chegaram a conhece-los, no entanto são frequentemente mencionados a propósito de tudo e de nada.
A morte é tão natural como o nascimento; é o fim da vida, o outro lado da moeda. Aceito-a desta forma, o que não me impede de sentir uma dolorosa saudade, quase física, dos que partiram da minha vida.
Quando eu era uma criança de seis anos encontrei a minha avó paterna, a "dormir" à hora de jantar. Depois compreendi que afinal a avó tinha morrido. Lembro-me do velório feito em casa dela, como era uso, e das filas de pessoas que vieram homenageá-la. Recordo-me de ver crianças entre essas pessoas. E eu perambulava por ali.
Antes de fecharem o caixão, alguém me perguntou se eu queria despedir-me da avó, e me levantou para eu a beijar. Falo disto sem mágoa, e muito menos com trauma. Diria até que sinto uma certa ternura por esta cena. Compreendo, porém, que outras pessoas em circunstâncias iguais tenham ficado traumatizadas. Somos todos diferentes.
Antigamente o momento da morte dos familiares era assistido pela família; os parentes rodeavam aquele que partia, despedindo-se e rezando. E finalmente, chorando. Francamente, esta forma de encarar a morte parece-me muito mais humana e natural, uma forma de lidar com a partida do ente querido mais pacífica e sã. Para aquele que parte e para os que ficam.
Acredito que é enfrentando a realidade que conseguimos superá-la. Varrer para debaixo do tapete, ou esconder, não resolve nada, apenas adia o momento desse confronto, tornando-o muito pior.
Com sorte, a vida permite que os filhos cresçam sem terem de ouvir explicações mais ou menos correctas sobre a morte, até que um dia, com mais maturidade, a aceitarão melhor.
Agora... quando isso não acontece, como se explica a morte aos filhos? Usando argumentos religiosos se a família tiver fé? Ou biológicos se não tiver? Dizer que o avô é agora uma estrelinha no céu? Que o pai mora para sempre no seu coração?
Não consigo imaginar quão dificil será. Muito menos pensar nas palavras adequadas a serem ditas. Não existem fórmulas certas, apenas orientações. Acredito que apenas uma coisa poderá mitigar a dor dessa experiência: a expressão do amor.
Amar, abraçar, beijar, dar colo. Falar com o coração. E continuar a falar de quem partiu, ainda que doa...e vai doer durante muito tempo.
Tenha uma óptima semana.
Nota: Recomendo a leitura deste artigo.