Este blog tem-me permitido conhecer pessoas muito interessantes; que me ensinam e fazem pensar sobre determinados assuntos, levando-me, frequentemente, a rever as minhas opiniões. Foi o caso da Maria Isabel, que com o seu marido, possui e gere o Chuiba Bay Lodge, em Moçambique.
Gostei tanto de ler este seu email que lhe pedi licença para partilhar com os meus leitores. E assim, a crónica de hoje é da minha convidada, a quem agradeço imenso as belíssimas fotos e texto.
E aqui,
sinto-me perfeitamente segura. Estamos sozinhos, num raio de 4 ou 5 km, à excepção
de uma aldeia Macua com 3.000 habitantes.
Sinto-me
mais segura do que em qualquer país muito desenvolvido. Estou em casa.
Quanto à
pobreza, é apenas aparente. Nós, cidadãos de países desenvolvidos, é que somos
pobres. Passamos um ou dois anos a poupar para ter a em 10 dias a qualidade de
vida que os locais daqui têm todo o ano.
Senão veja
(estou a dar-lhe a realidade de Pemba):
São
pescadores, têm peixe, marisco, cabritos, galinhas, coqueiros, mangueiras,
papaeiras, cajueiros, bananeiras, etc.... Têm as suas machambas de mandioca e
mapira (um tipo de ervilha seca) e milho - e só cultivam isto porque é a sua
cultura. Não gostam de mais nada.
Vendem algum
peixe ou cabritos e compram capulanas ou roupa, arroz, óleo e cebolas para
cozinhar. Não passam factura de coisa nenhuma, não pagam impostos, e, quando
pagam (se têm uma tenda, pagam de 1 a % 3%.
Têm uma
alimentação muito mais saudável do que a nossa. Têm corpos esculturais. São
felizes como nós já não somos há muitos séculos. Não têm as nossas necessidades
nem o espirito consumista das civilizações ditas avançadas. Não têm
stress. Tocam os seus tambores e marimbas e dançam todos os dias. Têm escolas,
primarias e secundarias, existe um centro de saúde em cada bairro e cada
aldeia, têm hospital, têm 4 universidades.
Respeitam os
velhos, o que acontece muito pouco nas sociedades "desenvolvidas".
Passam a
maior parte do dia deitados à sombra frondosa das árvores em amena cavaqueira.
Jovem macua com pintura msiro (mascara de beleza) |
A terra
pertence às mulheres. Se o marido resolver "arejar", vai com
uma mão à frente e outra atrás. As machambas ficam para as mulheres e seus
filhos. Mas sempre as mulheres são as donas das terras.
O povo em
geral, como acontece em toda a África de Leste, tem raízes swahili. É
negociante por natureza. Compra aqui (de tudo) e vende ali com 50% em cima
(desde gasolina, a arroz, a chinelos, a chamussas, a ovos cozidos, a bolinhos,
a pão, etc...).E não pagam impostos.
Eu não consigo ter uma factura para
peixe, legumes, macuti (cobertura dos telhados, que compro aos barcos cheios,
que vem das ilhas com macuti, paus de mangal, bamboo, etc... e que levam para
as ilhas bens alimentares que lá não existem.
Como etnias, existem os Macondes, com mais incidência no planalto de Moeda, e que são grandes escultores. Trabalham em geral o pau preto e outras madeiras exóticas. Temos a etnia Muani (os Kimuanis) - cruzamento de árabes com negros, e que ocupavam o único settlememt em Pemba - o Paquitequete, o bairro mais típico da cidade e que, infelizmente, irá ser deslocado para outras paragens em virtude da construção do porto que os americanos vão fazer na Baía de Pemba, numa extensão de 20km (aumentando o existente). Estes Kimuanis fazem o negócio com as ilhas, que acima descrevi. Temos ainda a etnia Macua - pescadores que vivem em bairros ou aldeias junto ao mar ou ao rededor da Baia de Pemba.
Como etnias, existem os Macondes, com mais incidência no planalto de Moeda, e que são grandes escultores. Trabalham em geral o pau preto e outras madeiras exóticas. Temos a etnia Muani (os Kimuanis) - cruzamento de árabes com negros, e que ocupavam o único settlememt em Pemba - o Paquitequete, o bairro mais típico da cidade e que, infelizmente, irá ser deslocado para outras paragens em virtude da construção do porto que os americanos vão fazer na Baía de Pemba, numa extensão de 20km (aumentando o existente). Estes Kimuanis fazem o negócio com as ilhas, que acima descrevi. Temos ainda a etnia Macua - pescadores que vivem em bairros ou aldeias junto ao mar ou ao rededor da Baia de Pemba.
Em Pemba há
a circular mais 4x4 novos - em geral TOYOTAS HI-LUX com cabines ou TOYOTAS
FORTUNER, novos (que aqui custam mais 40.000 Euros) do que no Algarve
inteiro, pertencentes às multinacionais - muitos deles
moçambicanos.
Depois, a
temperatura aqui oscila entre 20graus à noite até 35 graus durante o dia.
Uma capulana
é suficiente para sevir de cobertor durante a noite. Não precisam de
aquecimento nem de ar condicionado. Têm casas meramente para dormir em camas
swahili. Todo o resto da vida se faz fora. Cozinham e comem fora, à sombra das
arvores (o nosso picnic!).
Damos-lhes
pratos e talheres - vendem-nos e comem com as mãos, fazendo bolinhas com
o comer, que depois levam à boca.
Até os meus
empregados de mesa e de cozinha, que já são mais evoluídos, o fazem, quando nos
não estamos por perto. É a cultura deles. E não vejo nada de errado nisso. Até
eu às vezes como com eles a chima com feijão, fazendo as mesmas bolinhas de
chima e molhando no molho do feijão guisado. É bom a sério.
De referir
que Moçambique tem uma população relativamente pequena. 30.000 habitantes para
um pais 7 vezes maior que Portugal. A população vive geralmente à beira
mar ou à beira rio. Têm assim peixe para comer e água para se lavar.
Na cidade e
com a chegada do petróleo e do gaz, há jå muitos locais (os que estudaram)
a ganhar de 500 a 1000 Euros por mês. São a classe média que está a
crescer a olhos vistos. Chegam alguns a ganhar 2.000 a 3.000 USD, se forem
formados em engenharia ou gestão, etc...E andam todos a estudar, independentemente
das idades. A maior parte do meu pessoal, incluindo empregadas de quarto,
mesa, cozinha e inclusivamente guardas tem da 9a. classe ao 12o. ano. Tenho
amigos locais, com 30 40 anos, a fazer a universidade de noite e a tirar
mestrados.
Qualquer dos meus empregados é bem
mais culto que os portugueses do mesmo nível. Gosto imenso de falar com eles.
Sabem da história dos países circundantes, quem são e foram os presidentes,
discutem política....é um erro pensar que são uns coitadinhos. Samora Machel
investiu imenso na cultura deste povo. Mandou centenas de milhares de jovens
para universidades no estrangeiro (Russia, Inglaterra, USA, países nórdicos,
Portugal e muitos mais). Está uma classe média, sobretudo em Maputo, entre os
30 e os 45 anos, formados em Havard, Yale, Oxford e tantas outras
universidades, muitíssimo cultos. E há imensas bolsas a estudar no estrangeiro
(claro que estas bolsas, hoje em dia, não são acessíveis a todos os
Moçambicanos ao contrário do que acontecia no tempo do Samora Machel). E
existem ainda por todo o Moçambique, missões, onde missionários de várias
origens, olhem as crianças dessa zona, a maior parte em sistema de internato, e
as educam - têm escola, quintas onde plantam, semeiam e criam o que comem
e a educação e instrução é excelente.
Claro que
ainda há crianças que não vão à escola e velhos que não sabem ler mas que têm a
sabedoria da vida, e malandros que preferem roubar a trabalhar. Mas não é por
falta de escola, que é obrigatória. Até aqui na aldeia já há uma pré-escola. Já
têm há muito tempo escolas primárias. As escolas secundarias estão na cidade, a
uns 7 km daqui. Mas estão para abrir agora uma escola secundaria nas
proximidades. Claro que as escolas não têm janelas e as vezes nem carteiras têm.
Mas janelas não precisam para nada. É como ter lições num grande terraço coberto.
E sentar no chão é o que fazem todo o dia.
Muito mais
teria para lhe contar, mas fica para outra vez.
Depois,
parte a carteira, deita fora, não concerta nem repõe. Parte o vidro, deixa
partido, não substitui. É a cultura e está nos genes. Nada a fazer. Vai levar
duzentos ou trezentos anos a corrigir esses aspectos.
Há pouca
cultura de trabalho, sobretudo no Norte de Moçambique, menos desenvolvido e
clima bastante quente. É difícil fazer gente que tem tão boa vida, trabalhar
oito horas seguidas. Muitos desistem pura e simplesmente. Voltam à sua vida de
antes.
Nós é que somos loucos. Andamos numa
corrida desenfreada, vivemos para trabalhar, não trabalhamos para viver.
Veja só algumas fotos de crianças
moçambicanas. Não vejo estes sorrisos de felicidade nas crianças europeias. Dê
uma volta às fotos de família onde aparecem crianças e compare. Eu já o fiz. Não
tem comparação possível. As caras das crianças Moçambicanas não transparecem
stress algum....E se tiver acesso a anúncios moçambicanos - de campanhas
publicitárias seja do que for, verá o mesmo sorriso nos adultos que nelas
entram. Pelo pais fora se vêem cartazes publicitários seja da Mcell, da
Vodacom, ou doutra qualquer empresa, e o comum entre eles é o sorriso franco,
aberto, dsepreocupado, feliz.
Sem dúvida uma visão muito diferente daquilo que imaginava e pensava saber. Não posso expressar o quão feliz, e grata, estou por esta partilha.